A QUESTÃO DO RACISMO EM PORTUGAL
(Todos namorados luso-africanos)
RM Kuyeri, 14 de Fevereiro de 2019

Em Portugal, o racismo configura um crime conforme o código penal português, ao mesmo tempo que é uma circunstância de agravo muito importante como móbil de um crime. Contudo, poucos são os relatórios e as estatísticas acerca da situação de racismo em Portugal, apesar de haver registos recentes no país de muitos casos de violência racial contra a chamada comunidade luso-africana.

Segundo um relatório da União Europeia, de 2018, entre 12 países europeus analisados, Portugal foi o país que apresentou as menores taxas de violência e de vitimização motivadas por racismo, o que não me parece razoável, a não ser que o racismo contra os chamados membros da comunidade luso-africana não contaram para as estatísticas da União Europeia.

A população portuguesa, embora se diga ser bastante homogénea, é também composta por algumas minorias africanas oriundas das ex-colónias portuguesas como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, os tais luso-africanos, na sua maioria mulatos, porque geralmente são de pais portugueses e mães negras, exceptuando alguns casos de negros expatriados e radicados em Portugal que se casaram com mulheres brancas, mas nem todas elas necessariamente portuguesas.

Devido ao passado expansivo de Portugal, há muito que o país lida com diferenças culturais, étnicas e religiosas, entre outras, mas que o seu gene racial ainda se mantém activo, isso é inquestionável.

Nas colónias portuguesas não vigoravam políticas oficiais de segregação como acontecia na África do Sul com o Apartheid ou na Rodésia do Sul bóer, mas a não-miscigenação sempre vingou no relacionamento tanto institucional como formal, por via do sistema segregacionista de assimilação que classificava os cidadão da primeira, diferentemente dos da segunda, terceira e os ditos indígenas, que até usavam a Caderneta Indígena para se identificarem, vivendo diferentes realidades.

Os cidadãos de primeira eram os portugueses brancos nascidos em Portugal, os de segunda eram cidadãos brancos de pais portugueses, mas nascidos nas colónias, os de terceira eram os mulatos e goeses ou indianos e, por último, eram os pretos indígenas.

Desde a década de 1980 que Portugal assiste a uma vaga migratória para o seu território, principalmente oriundos de África, da América do Sul e da Europa do Leste, devido a alguma mão-de-obra barata e/ou ilegal, havendo uma tendência para generalizar e associar as populações de imigrantes à criminalidade como uma forma de manifestação de racismo, sendo que os negros, os brasileiros e os ciganos são as maiores vítimas do racismo em Portugal.

A justiça em Portugal é mais dura para os negros e um em cada 73 cidadãos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) está preso, sendo dez vezes mais do que a proporção que existe para os portugueses. Os magistrados e outros agentes do sistema judicial português reconhecem que há duas justiças, uma para os negros e outra para os brancos.

Sempre há marcas nos rostos dos luso-africanos negros que tenham passado pela prisão que lembram a vida que os conduziu para trás das grades com muita mágoa, justamente e geralmente quando estão prestes a começar a trabalhar, sem mesmo ter cometido crime, a não ser que um negro consega emprego dignos em Portugal seja crime. Cumprem a pena praticamente até ao fim e saem do estabelecimento prisional sem mais perspectivas e quando conseguem um trabalho, é dos mais reles e precário possível que nenhum português cobiça.

Apesar de boa parte dos luso-africanos terem nascido em Portugal, eles não são portugueses, mas sim angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos ou são-tomenses no passaporte, sem nunca terem ido a Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique ou São Tomé e Príncipe. Para tal, as autoridades portuguesa procuram imputar algum crime a estes cidadãos e condená-los a uma pena superior a três anos, para servir de justificativo legal que lhes possa impedir requerer a nacionalidade portuguesa.

Os luso-africanos em Portugal sempre vivem com autorização de residência permanente e, quando presos e condenados, depois de saírem da cadeia perdem automaticamente a autorização de residência permanente, ficando na situação de ilegais.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em Portugal cancela automaticamente a autorização de residência, mesmo que a pessoa tenha nascido em Portugal. Esta é a real situação de muitos cidadãos negros dos PALOP que engrossam as estatísticas prisionais. Por isso, um em cada 73 cidadãos dos PALOP com mais de 16 anos de idade residindo em Portugal está preso e é uma proporção dez vezes maior do que a que existe para os cidadãos portugueses, onde um em cada 736 cidadãos na mesma faixa etária está detido. O número sobe para um em cada 48 quando se trata de cabo-verdianos, a comunidade africana mais expressiva em Portugal, isto é, 15 vezes mais.

É também racismo o facto de, dos afro-descendentes portugueses, não se espera que tenham acesso aos estudos para além da escolaridade obrigatória, recordando a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, assinada no dia 07 de Maio de 1940, durante o papado de Pio XII e o Governo de António de Oliveira Salazar que foi um tratado bilateral que atribuiu um conjunto significativo de privilégios e benefícios a Igreja Católica, a religião tradicional de Portugal, mas determinou que não se podia ensinar aos pretos para além da 4a classe de escolaridade, porque os pretos africanos apenas deviam saber ler, escrever e entender as ordens dos seus patrões para melhor as implementarem.


Nas salas de aulas em Portugal sempre foi comum notar filas atrás para os negros e à frente para os brancos com uma faixa de separação. Em São Domingos de Rana, na linha de Cascais, fica o bairro das Faceiras, construído no início dos anos 1980 para acolher somente população retornada das ex-colónias e famílias de origem cabo-verdiana, onde neste conjunto de prefabricados, as crianças brincam na rua. Questionar sobre o porquê de alguns dos mais inteligentes irem ficando para trás leva ao encontro da pura realidade racial muito inquietante, embora tanto brancos e pretos fossem “retornados” das ex-colónias.

Os jovens de origem africana de contextos desfavorecidos que chegam ao ensino superior ficam a mercê de muita coisa que conflui em várias fases da vida, não se esperando que o jovem resiliente, que vem desde o início com o sonho de chegar à faculdade, tenha a possibilidade de realizar o seu sonho tão facilmente como os outros cidadãos portugueses brancos.

Embora hoje o pré-fabricado bairro de construção informal já não exista, nem a sua escola reservada aos luso-africanos, perdura a memória do ambiente da sala de aulas bem segregada, com filas de portugueses, outra fila vazia a separar, e, por fim e lá no fundo, as filas para os negros e os professores apenas concentravam as suas aulas para os alunos brancos da frente, porque os miseráveis negros eram apenas a fauna acompanhante.

Na sala e no recreio, a maioria das crianças eram do bairro dos luso-africanos, maioritariamente cabo-verdianos. Quanto mais se avançava na escolaridade, menos negros se tinha, ficando com a sensação de que os negros não pertencem a este mundo.

Mas a odisseia das vicissitudes dos negros em Portugal não termina por aqui. Há uma preferência óbvia dos senhorios em arrendarem as casa a brancos, empolando ao máximo os valores das rendas para desencorajar a ousadia dos negros de alugarem as suas casas. Este tipo de segregação aumenta na área de Lisboa, onde se arrenda a um negro uma casa a preço muito mais caro e a um preço muito barato para arrendar a mesma casa ou apartamento a qualquer branco.


Por causa de tudo isto, cresce nas comunidades luso-africanas em Portugal o instinto de buscar a oportunidade de provar que um preto pode fazer igual que um branco. Em dez anos, 20% das queixas à Comissão contra a Discriminação Racial foram sobre situações laborais, onde em circunstâncias iguais no emprego, há sempre preferência pelos brancos, o que é motivo de ódio racial de parte-a-parte.

De todas as zonas, a mais racista de Portugal continental é o Alentejo, a área geográfica com menor diversidade étnica ou racial. Em Reguengos quase não se vêem negros na rua, nem em serviços que impliquem interacção com os clientes.

Na verdade, a percepção das desigualdades não foge à realidade e as posições na hierarquia profissional da população portuguesa e daqueles que são oriundos dos PALOP são desiguais. Em 2015 o desemprego era de 33% para os cidadãos oriundos de países africanos e de 12.4% para os portugueses, quando nos PALOP todos os portugueses estão bem empregados, preferencialmente no sector financeiro, onde se destacam como elite, seguidos dos seus enteados mulatos.

Não é possível aferir as desigualdades raciais nas estatísticas oficiais sobre o emprego, pois em Portugal não se pode recolher dados étnico-raciais por ser uma grave vergonha. Por isso, há sociólogos que obtêm tais dados através do universo da população dos PALOP, uma limitação associada à imigração de uma categoria racial bem específica, mas também por ser a única maneira de ter uma aproximação da realidade quando o Governo português nem está por aí.

Quando um luso-africano envia o seu currículo para qualquer instituição em Lisboa, a preocupação primária é verificar os apelidos para depois aferir-se o seu sotaque português. Se passar nestes dois testes, é quando se procura informar-se do resto. Mas nos discursos políticos de conveniência, os portugueses reclamam serem nossos irmãos, porque partilhamos a mesma história e mesmos valores. Qual quê!

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