GALOS E O SOL
Por: Elísio Macamo, in FaceBook
Uma vez disse
Theodor Fontane, um grande escritor alemão, que há galos que devem acreditar
que o sol se levanta por sua causa.
Esta citação
ocorreu-me a propósito de um curto comunicado emitido pelo representante do Fundo
Monetário Internacional (FMI) em Moçambique, em reacção a um comunicado da Procuradoria-Geral
da República (PGR) apelando para a responsabilização das pessoas envolvidas nas
“dívidas ocultas” e informando sobre o encaminhamento do caso ao Tribunal Administrativo.
Antes de prosseguir: O comunicado da PGR é uma vergonha linguística, institucional e política. Primeiro, a pontuação e o encadeamento de ideias são horríveis, sobretudo quando se sabe que quem escreveu o comunicado (ou pelo menos quem o devia ter escrito) é uma pessoa formada em Direito. Logo, com a obrigação de ser exacta e correcta no uso da língua oficial do país.
Segundo, uma
instituição soberana como é a PGR, não devia nunca aceitar trabalhar à reboque
de seja quem for, quer se trate de políticos nacionais ou Samaritanos externos.
O comunicado
não foi escrito com convicção e mostra claramente que se trata de uma tentativa
de agradar a alguém (de fora). Finalmente, é um desastre político, pois a PGR abdica
da sua responsabilidade de defender o país, ao aceitar ser instrumentalizada
por actores externos.
A futilidade
do comunicado tornou-se logo clara com a reacção ingrata do FMI. Seca, lacónica
e soberba. O FMI saúda o passo, mas adverte que só ficará completamente
satisfeito quando as empresas tiverem facultado todas as informações que a Kroll não foi capaz de juntar. Exige
essa informação.
Há aqui uma
perversão do sentido de justiça que só aqueles moçambicanos que, por razões
apenas por eles conhecidas, se juntam ao show
de falsa indignação dos doadores, não são capazes de entender.
O tipo de
“justiça” que o FMI exige é, na verdade, uma espécie de ajuste de contas entre
os moçambicanos, só pelo simples prazer de demonstrar força e poder.
Como uma vez
me confidenciou um oficial dos serviços alemães de Inteligência, segredo é o
que os serviços de Inteligência escondem ao público, pois entre eles sabem de
tudo e passam as informações para os seus governos.
O FMI, com a
sua Directora-Geral francesa, a Christine Lagarde, é a última instituição no
mundo que pode falar indignada de “dívidas ocultas”. O acto de lançamento das
obras para as 30 embarcações em Cherbough, na França, em 2013, contou com a
presença do Presidente francês, François Hollande, e do filho cada vez menos
querido da Pérola do Índico, Armando Guebuza. Insistir que os senhores do FMI não
sabiam de nada é, para mim, uma declaração de incompetência por parte do FMI,
pois, como bons banqueiros que são, deviam ter procurado saber como esse
negócio estava a ser financiado. Claro que sabiam, são comparsas esses!
A perversão
da justiça reside no facto de o FMI fazer chantagem sobre as instituições
nacionais, para fazerem o que ela quer, como condição para a normalização das
relações. A Kroll não obteve as
informações que queria porque certos indivíduos se recusaram a falar. O que o
FMI efectivamente está a dizer é que, se for necessário torturar essas pessoas
até falarem, tudo bem, desde que falem. Pode parecer que eu esteja a exagerar.
Mas, é
assim, a vontade de ver um problema resolvido não se revela apenas pela
implacabilidade na obtenção da informação em falta. Revela-se também na forma
como uma instituição reconhece os problemas na maneira como as coisas são
feitas e recomenda a sua abordagem, algo que o comunicado da PGR faz, ainda que
mal, quando aponta para fragilidades na Lei da Probidade, nos regulamentos
sobre emissão de avales do Estado, etc.
Quererá o
FMI dizer que se os indivíduos das primeiras letras do alfabeto nunca aceitarem
falar, ou por um acidente colectivo (pode ser num Chapa) irem desta para
melhor, as relações entre o FMI e Moçambique nunca serão normalizadas? E que
tal se se apurar, como me parece mais provável, que apenas se tratou dum
negócio que parecia bom, mas, na realidade, não o era, e que nenhum dos visados
tirou benefício material próprio suficientemente significativo para explicar os
montantes em falta?
E aí? O FMI
vai insistir em ter bodes-expiatórios para alimentar a arrogância dos
burocratas nas suas fileiras, esses que actuam com a impunidade de quem não
deve explicações a eleitores?
É claro que
eu sou suspeito para escrever estas linhas. Continuo fã dum dos indivíduos das
letras do alfabeto, apesar de ele ter deixado o poder sem me nomear Governador
de Gaza. E tenho pouca paciência com a burocracia internacional, esse antro do
poder sem responsabilidade. Mas a questão que volta a colocar-se é o que nós
precisamos de fazer para nos vermos livres deste pessoal que só compromete a
nossa viabilidade como país.
É como dizia
Groucho Marx, o grande comediante norte-americano: Ele nunca se juntaria a um
clube que estivesse disposto a aceitar uma pessoa como ele como membro. É esta,
na verdade, a atitude que devemos ter com clubes como o FMI. Queremos estar
longe deles.
Devia ser
possível introduzir uma norma internacional que desse, a países como os nossos,
o direito de processar estas instituições por má assessoria. Só com essa
cláusula é que iria acabar a arrogância desse pessoal do FMI, que, desde 1987, anda
aí a tentar nos desenvolver. A culpa não pode ser só nossa, é também do FMI.
A PGR
perdeu, infelizmente, uma oportunidade de se posicionar claramente em relação a
este assunto. É claro que ela tem a obrigação de investigar e processar toda a
acção criminosa, incluindo neste caso. Mas não o devia fazer para satisfazer o
FMI.
A PGR deve o
fazer pela obrigação que ela tem de fazer respeitar a legalidade no país. E
legalidade não é ajuste de contas, nem lavagem de imagem. É também o
reconhecimento dos constrangimentos dentro dos quais fazemos política. Justiça
é também melhorar o que nos impediu de prevenir crimes. E seguir em frente.
Quanto mais penso no assunto, mais sou de opinião que a PGR devia ter a coragem
de mandar passear o FMI. Eu até me ofereceria para escrever o próximo
comunicado.
Nós não existimos
para o FMI fazer o seu trabalho. O FMI faz o seu trabalho porque nós existimos.
Mais ou menos a mesma coisa como o galo e o sol...
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